“De ovo em ovo se chega a Deus, que é invisível a olho nu”, escreveu Clarice Lispector em um de seus contos mais famosos, intitulado “O ovo e a galinha”. Através do que chamamos de “fluxo de consciência”, Clarice revelou o que artistas têm de sobra – e podem nos ensinar. Estamos falando de uma habilidade que, longe de ser inata, pode ser aprendida: a capacidade de exercer a criatividade, inclusive durante a graduação.
Em 1969, a mesma Clarice Lispector entrevistou a escritora Nélida Pinon para um texto que seria publicado no Jornal do Brasil. Na ocasião, Clarice perguntou: “Você acredita em inspiração, ou acredita que o trabalho árduo é que vale para escrever?”.
Nélida então respondeu: “Inspiração era meu recurso de adolescente. Fase adulta exige outro confronto”. Para Nélida, conforme transcreveu Clarice, criar “é estar em todas as coisas”.
O que você verá neste artigo:
Todos somos criativos
Considerada por uns como uma capacidade inata e por outros como uma habilidade que pode ser desenvolvida, o sentido de criatividade mudou ao longo do tempo. Hoje, a imagem do “gênio” parece anacrônica. Afinal, todos somos criativos.
“Somos todos criativos”, inclusive, é o título, em português, do livro “Out of “Our Minds: The Power of Being Creative”, publicado originalmente em 2017. Nele, o autor do Reino Unido, Ken Robinson, apresenta maneiras de manter a nossa criatividade viva.
Universidades são criativas por excelência
As instituições de ensino superior sempre foram, acima de tudo, locais de criatividade. Para se ter uma ideia, basta olhar para a Escola de Frankfurt, fundada em 1924, na Universidade de Frankfurt, na Alemanha.
Na época, Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor W. Adorno (1903-1969), principais expoentes da escola, criaram o conceito de indústria cultural. Segundo eles, esses sistema político e econômico teria por finalidade produzir bens de cultura – música, filmes, livros, etc. – como mercadorias. O objetivo desses bens seria, portanto, obter o controle social.
Urgências da modernidade
De lá para cá muita coisa mudou, mas as universidades continuaram produzindo teorias, conceitos e promovendo importantes descobertas.
A era moderna, da mesma forma, colocou, para o ensino superior, novas e mais urgentes demandas. Em 2020, por exemplo, duas cientistas brasileiras da Universidade de São Paulo (USP) lideraram o sequenciamento do genoma do novo coronavírus. Ester Cerdeira Sabin e Jaqueline Goes conjugaram conhecimento adquirido ao longo de décadas com as necessidades urgentes do mundo contemporâneo.
Dominar o conhecimento é fundamental para a criatividade
As universidades, atualmente, são convidadas a se tornarem verdadeiras comunidades de aprendizagem criativas, nas quais os alunos se engajam na produção de conhecimento.
Por outro lado, essa produção de conhecimento precisa ser realmente relevante para a sociedade. O que, como resultado, apenas será possível se os alunos dominarem profundamente o conteúdo das disciplinas e as habilidades relacionadas.
Conheça a Taxonomia de Bloom
Criada em 1956, a Taxonomia de Bloom (ou Taxonomia dos Objetivos Educacionais) é uma estrutura usada para classificar os objetivos educacionais. O nome é uma referência ao líder do projeto, o pesquisador Benjamin Bloom.
Categorizada em três domínios (cognitivo, afetivo e psicomotor), foi desenvolvida por uma equipe multidisciplinar de especialistas de diversas universidades dos Estados Unidos.
A estrutura cognitiva proposta pelo modelo é composta por seis categorias. Na base, estaria o conhecimento, pré-requisito necessário para as outras cinco categorias: compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação.
Ou seja, para produzir conhecimento novo e realmente relevante, todos precisam, em primeiro lugar, dominar todas as categorias anteriores.
O que dizem as categorias cognitivas?
Listamos abaixo as categorias cognitivas da Taxonomia dos Objetivos Educacionais. Elas podem ajudar a compreender as etapas que o estudante deve percorrer durante a faculdade até ser capaz de ser criativo.
- Conhecimento: capacidade de lembrar padrões, métodos, conceitos e ideias.
- Compreensão: entender e interpretar o conhecimento.
- Aplicação: habilidade para aplicar o conhecimento em situações novas.
- Análise: capacidade de perceber os elementos ou partes de uma comunicação, hierarquizar ideias e tornar explícita a relações entre elas.
- Síntese: saber juntar partes de modo a formar um todo e, assim, estabelecer padrões.
- Avaliação: habilidade para julgar a qualidade de um material com base no conhecimento e em evidências.
Taxonomia Revisada
Em 2001, um grupo de psicólogos cognitivos, teóricos de currículo e pesquisadores e especialistas em teste e avaliação decidiram revisar a antiga taxonomia de Bloom.
Usando verbos no gerúndio, eles criaram uma pirâmide mais dinâmica que descreve os processos cognitivos pelos quais passamos.
Agora, no topo da pirâmide está, justamente, a capacidade de criar. A nova abordagem foi publicada no livro Uma taxonomia para ensino, aprendizagem e avaliação .
Abaixo, é possível compreender mais facilmente os caminhos que percorremos até sermos capazes de criar:
- Lembrar
- Entender
- Aplicar
- Analisar
- Avaliar
- Criar
A importância do pensamento crítico para a criatividade
Com isso, percebemos que a criação de um conhecimento suficientemente original para provocar mudanças em uma determinada área precisa ser reconhecido como tal. E isso leva tempo.
Com base nessa definição, percebemos que, primeiramente, é preciso dominar muito bem o conhecimento. Apenas com uma base profunda e fértil as ideias novas poderão emergir,
O ato de questionar é uma das etapas do pensamento criativo. Aliás, o pensamento crítico precisa ser uma constante durante toda a formação escolar.
Mas, ele só será realmente importante se as bases cognitivas estiverem formadas.
Caso contrário, pessoas que não venceram etapas anteriores começam a duvidar da própria ciência. Cria-se, assim, espaço para o negacionismo e as teorias conspiratórias.
Exercite sua criatividade
Certamente, durante toda a faculdade, a criatividade será uma constante. Durante as aulas ou, posteriormente, na defesa dos trabalhos de conclusão de curso, é fundamental aproveitar a oportunidade para exercitar essa habilidade.
Em primeiro lugar, ao compor grupos de estudo, resumir livros e participar de seminários e rodas de conversa, pode-se exercitar a capacidade de lembrar e entender.
Em segundo lugar, ao atuar como bolsista de iniciação científica ou realizar estágio acadêmico, o aluno tem a oportunidade de aplicar o conhecimento adquirido.
Por fim, em programas de intercâmbio, escrevendo artigos, produzindo resenhas ou supervisionando atividades acadêmicas, por exemplo, são desenvolvidas habilidades de análise e avaliação.
Ana Carla “Cainha”, referência da economia criativa, ensina, em suma, como deixar os “canais abertos” para a criatividade.
1- Manter a provocação constante;
2- Ser uma pessoa de pensamento livre;
3- Deixar que o corpo, o cérebro e a alma absorvam os ingredientes ao redor;
4- Sair da rotina;
5- Se permitir viver experiências novas.
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