Em um tempo não tão distante, o trote universitário era sinônimo de pavor. Esse evento que marca o ingresso do estudante ao ensino superior costumava vir acompanhado de uma série de “desafios” impostos pelos veteranos que poderiam incômodos e agressivos. Mas, com uma mudança de cenário e a problematização do antigo trote, nos questionamos: como tornar o trote universitário em algo produtivo?
O que você verá neste artigo:
O que é o trote universitário?
O trote, a princípio, é considerado um ritual de ingresso nas universidades. Este ritual, por sua vez, envolve os “bichos” que são os calouros e os veteranos. Os veteranos articulam jogos e desafios nos quais os bichos têm de se submeter.
Neste contexto, ao longo dos anos, o trote foi tornando-se algo violento. O que deveria ser uma brincadeira para marcar um momento importante, foi virando um jogo de poder bastante sádico e perigoso. Inclusive, muitos calouros vieram a óbito, tamanha agressividade.
Ainda, por conta do título de “tradição”, a violência no trote foi sendo naturalizada. A “brincadeira” envolve, por exemplo, obrigar calouros a consumir misturas de bebidas estragadas, ficar amarrado em postes, cortar os cabelos, entre outras tantas variações de sadismo, desumanização e violência.
Apesar disso, o trote só ganhou a atenção e a problematização merecida no ano de 1999, quando um calouro morreu. A notícia foi divulgada em todo o país e finalmente, o trote foi problematizado e investigado. Segundo a Folha, o estudante foi encontrado morto na piscina da Associação Atlética Oswaldo Cruz, pertencente faculdade de Medicina da USP. Por fim, não se sabe ao certo se a morte ocorreu durante ou após o término do trote, mas os resultados foram irreversíveis.
Como diferenciar o ritual da violência?
Antes de mais, parece absurdo não saber diferenciar o exposto, certo? Mas, infelizmente, o Brasil é um país que em diversos setores, naturaliza a violência. Seja contra o estudante, a mulher, o negro, a comunidade LGBTQIA+, o índio e vários outros grupos intitulados “minoria”, mesmo que quantitativamente não sejam.
Desse modo, é importante compreender que o que difere o violento do divertido e natural, é o consenso. Para muitos, talvez seja natural e até divertido permitir que veteranos quebrem ovos em suas cabeças ou andem com as mãos amarradas, mas para outros não.
Sendo assim, o abuso começa quando você diz “não” e ainda sim, o outro desrespeita o seu limite. Portanto, não importa o tamanho ou a natureza da brincadeira, quando o veterano desrespeitar a sua vontade, a violência começou.
Dicas para viver o trote de maneira tranquila
Agora, listamos dicas que envolvem a sua segurança e bem-estar durante o trote universitário. Apesar de que algumas delas, iniciam-se antes do dia ou semana em que ocorre o rito de passagem. Confira abaixo:
- Faça exercícios de autoconhecimento. É fundamental conhecer os nossos próprios limites e isso só é possível através da dedicação em olhar para si por um tempinho. Seja em uma terapia, leituras, podcasts, espiritualidade ou qualquer outra ferramenta que te faça perceber o que você aceita ou não em sua vida. Conhecendo esse ponto de partida, fica mais fácil perceber o que pode te gerar incômodo;
- Entre em grupos no Facebook ou outra rede relacionada à sua universidade de ingresso. Ainda, se o grupo for especificamente sobre o trote, melhor. Informar-se previamente sobre como são os eventos nos últimos anos é super importante para você decidir se irá ou não, participar do rito de passagem;
- Vá acompanhado. Sabe-se que é seu primeiro dia e que você não conhece ninguém, mas, assim que pisar na universidade, procure outros bichos da sua turma para criar um grupo e consequentemente, uma rede de apoio. E, fique junto dessas pessoas ao longo do evento.
Como tornar o trote universitário em algo produtivo?
A princípio, percebe-se que as novas gerações, em especial a chamada de gen Z tem um senso crítico mais apurado. Dessa forma, tornam-se mais sensíveis na identificação de excessos, abusos e agressões, sejam elas físicas ou psicológicas.
Ainda, tem mais facilidade de contactar outros estudantes através das redes sociais. E, tem intrínseco a valoração dos grupos de apoio e da comunicação como veículo na construção de uma sociedade mais justa, e consequentemente, democrática.
Neste contexto, o trote universitário ganha uma nova cara. Por fim, através do estímulo vindo de uma mudança no pensamento coletivo dos novos universitários, o trote se viu na obrigação de adequar-se aos moldes modernos e também, livres de violência. Mas, é claro que não é tão rápido erradicar um processo violento que foi sedimentado ano após ano, no entanto, a diminuição é perceptível.
Políticas de apoio e trote cidadão
Diante de tantos casos absolutamente agressivos, as universidades perceberam a importância de intervir. Assim, algumas instituições de ensino criaram políticas internas tanto de punição, quanto de prevenção ao trote agressivo.
A Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, criou um canal de comunicação que fica ativo durante o evento. Desse modo, para controlar os acontecimentos, os estudantes podem acionar o Disque Trote (0800 012 10 90) caso veja ou viva uma violência.
Também, diversas universidades “jubilam” o agressor. Jubilar, no que lhe concerne, diz respeito a expulsão definitiva, garantindo que o estudante não retorne à instituição independente da aprovação em algum processo seletivo.
Ainda, os coletivos internos das instituições organizam-se para fiscalizar e organizar o trote. E, esses coletivos podem ter viés político ou não. Exemplo disto, são os coletivos feministas que conscientizam e fiscalizam atos machistas e agressões de gênero antes, durante e depois do rito de passagem.
E, por último, mas não menos importante, o queridíssimo trote cidadão ou trote solidário. Estes, em questão, dizem respeito a iniciativas que envolvem aspectos sociais. Ou seja, usar do ritual para, por exemplo, arrecadar alimento, vestimentas, itens de higiene e materiais escolares para doar a instituições e/ou pessoas em situação de vulnerabilidade.
Também, o ano de 1999, Fundação Educar Dpaschoal criou o conceito Trote da Cidadania, que visa acabar com o trote violento, substituindo-o por iniciativas benéficas. Por fim, com a adesão de veteranos, o Trote Cidadania incentiva atitudes saudáveis e solidárias que integrem e beneficiem a sociedade na totalidade.
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